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terça-feira, dezembro 09, 2003

A fé e a espada
[Tro og sverdet]

Será talvez uma boa altura para falar de religião nas terras gélidas do norte.

Os viquingues, claro, eram pagãos. A mitologia nórdica merece um artigo por si próprio, que escreverei um dia destes.

Como já referi noutro post, Santo Olavo foi o grande responsável pela expansão do Cristianismo, versão Católica Romana, e pela redução do número de pagãos no país pelo uso exaustivo da espada. Viria a ser canonizado, o seu túmulo em Trondheim constituindo a versão nórdica de Santiago de Compostela.

A versão luterana do cristianismo foi introduzida mais tarde, em 1536, com a Reforma, de uma maneira essencialmente política - o rei da Dinamarca, que na altura incluia a Noruega, achou que seria lucrativo pilhar a propriedade que a Igreja tinha pilhado ao longo dos anos, e de que qualquer modo uma igreja do qual ele era chefe era menos problemática do que uma igreja cujo chefe era um italiano metediço.

Sendo assim, 90% dos noruegueses são nominalmente protestantes, e a Igreja Norueguesa é a igreja de estado (Artigo §2 da Constituição), os seus aderantes são constitucionalmente obrigados a criar os seus rebentos na mesma, e os jesuítas e judeus estão proíbidos de entrar no país (bom, essas partes já foram revogadas). No entanto, com a progressiva secularização da sociedade, diz-se que o norueguês típico só vai à Igreja em média três vezes na vida (baptizado, confirmação e casamento), e uma quarta pouco depois dela. E em duas dessas, vai levado (alguns argumentam que também é o caso no casamento).

Um dos aspectos curiosos é que, segundo a Constituição pelo menos metade do governo deve ser aderante da Igreja de estado - o que, se não é problema com governos de direita, faz com que cada vez que os trabalhistas chegam ao governo vários dos potenciais ministros tenham que aldrabar a sua consciência e reinscrever-se à pressa para o governo ser legal.

Por um daqueles azares, não só moro perto da Kirkeveien - a Avenida da Igreja - como ainda por cima, moro perto da igreja que dá nome à rua, e cujos sinos tradicionalmente me perturbam o sono matinal de domingo.

Os sinos foram a causa do pedido da Comunidade Islâmica de Oslo - e lembremo-nos que dez por cento da população da cidade é muçulmana - para poder berrar a chamada à oração das sextas-feiras do minarete da mesquita central - o que foi autorizado, desde que não exceda um número ridículamente baixo de decibeis.
Isso foi usado como precedente pela Associação dos Pagãos, que teoricamente acreditam no Thor e no Odin, mas que na prática não passam de um bando de ateus com sentido de humor, que pediu para poder berrar do alto do telhado de um dos seus membros que deus não existe, não há salvação, e a responsabilidade é nossa- o que foi concedido. O que foi usado como precedente por um grupo evangélico para berrar exactamente o contrário - o que também foi concedido.
Para completar o ramalhete, claro que existe também a Igreja Católica, quanto mais não seja pelo número razoável de imigrantes da América Latina e do Vietname.

Quanto a mim, já pensei em aderir a Associação Humano-Ética. Mas os pagãos tem os melhores slogans.

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